Memórias e momentos de um Astrónomo Amador


 Fotodetectores, radioactividade e Marte


Nos tempos que correm tornou-se corriqueiro falar em tecnologia CCD e agora mais recentemente na tecnologia CMOS, com o aparecimento em massa de aparelhos de fotografia digital e cameras vídeo. O grande público, o povo, passou a ter acesso a estas tecnologias a baixos preços de mercado ou a crédito (bem ou malparado!), não fosse o século XX considerado o “Século do Povo”, em especial para o nosso país que em 25 de Abril de 1974 saía da idade média.

CCD, sendo o acrónimo de Charge Coupled Device é de forma muito resumida um fotodetector que converte luz em cargas eléctricas, tendo sido inventado em 1969 por Willard Boyle e George E. Smith dos Laboratórios Bell da AT&T. 

Na base deste fenómeno encontra-se o conhecido Efeito Fotoeléctrico, explicado em 1905 por Einstein, no qual os electrões são emitidos por uma placa de metal depois da absorção de energia com determinado comprimento de onda produzida por radiação electromagnética, tal como luz visível ou raios X. Este fenómeno veio comprovar a teoria dos Quanta em que a radiação electromagnética é tratada como “pacotes” de energia e não como “onda” (e=hν).


Desde tenra idade que me dedicava a leituras de divulgação científica, e tudo o que fosse relacionado com Física Nuclear e Mecânica Quântica era integralmente “devorado”. Difícil era encontrar bibliografia sobre estes assuntos. Minha Bisavó dava-me uma semanada de 10 escudos, que adicionada a outra semanada de meus pais em igual valor, permitia-me ir ao cinema aos sábados e comprar a literatura que no mercado livreiro ia aparecendo esporadicamente.

 A divulgação científica destes assuntos era esparsa e pouco consistente e dependia quase integralmente de autores estrangeiros que eram traduzidos (bem ou mal!). Aos poucos descobri que as Bibliotecas itinerantes da Gulbenkian e a Biblioteca Municipal de Angra do Heroísmo possuíam alguma literatura desta natureza. Apesar da minha dificuldade em compreender determinados assuntos, nada me fazia esmorecer o entusiasmo.


O impacto destas leituras, como é lógico, faziam-me sonhar com a concepção de “aparelhómetros” e sendo meu pai detentor de uma oficina de electrónica e de reparação rádio, tudo era mais fácil. Vários foram os aparelhos concebidos e executados por mim ao longo dos finais dos anos sessenta. Poderei referir um Espintariscópio, um Electroscópio de folhas de alumínio a vácuo produzido por uma corrente de água e uma Câmara de Nevoeiro para detecção de partículas alfa e de Raios Cósmicos.

O Espintariscópio, apesar da sua simplicidade, deu-me uma grande satisfação fazê-lo: uma simples caixa de chumbo (o contributo da canalização em chumbo da minha casa, devidamente derretida e adaptada à configuração desejada!) com resíduos radioactivos (pintura luminosa de vários relógios de pulso!) e uma ocular feita com lentes de máquina fotográfica, permitiam-me ver o resultado do choque das partículas alfa com as moléculas do ar, produzindo cintilações, ou numa pequena placa de sulfureto de zinco, concebida por mim, quando excitava os resíduos radioactivos com uma forte luz branca. Hoje é um brinquedo educativo que muitos centros Ciência Viva utilizam.




O Electroscópio, usando uma campânula de vidro onde fazia um vácuo muito relativo, sustinha na vertical duas folhas de alumínio muito finas. As partículas alfa interagiam fortemente com o meio material das folhas de alumínio sendo facilmente absorvidas. 

É sabido que a interacção das partículas alfa (núcleos de hélio) com o meio faz-se essencialmente através de colisões com os electrões atómicos. Isto fazia deslocar por repulsão electrostática as folhas, mostrando a existência de fortes cargas eléctricas (Curva de Bragg). 

Agora imagine-se que uma das fontes radioactivas utilizadas por mim, era um pequeno frasco que continha 30 gramas de Nitrato de Urânio - UO2(NO3)2.6H2O. Esteve na minha posse até 1984, data em que o doei à Universidade dos Açores, por receio de poder a vir afectar o meu filho João Pedro Porto, entretanto nascido. Este frasco havia sido descoberto numa prateleira de uma farmácia da Praia da Vitória e destinava-se, ao que parece, a tratamentos “homeopáticos”!

Outra fonte radioactiva utilizada era uma placa metálica extraída de uma válvula gigantesca arrefecida a água e utilizado pelos grandes receptores das comunicações americanas. Nesse tempo, bastava ir a um sucateiro para ser possível encontrar materiais deste tipo e ainda outros de maior perigosidade para a saúde pública e ambiente.

Uma das experiências que gostava de fazer era irradiar uma placa fotográfica e depois revelá-la para mostrar a impressão deixada por estes materiais. Outra era irradiar pequenos insectos ou coleópteros para os ver morrer em poucas horas ou de um dia para o outro. Hoje não repetiria estas experiências!

A Câmara de Nevoeiro era de uma concepção extremamente simples e com ela conseguia visualizar os efeitos da radiação ionizante na formação de pequenos traços deixados pelas minúsculas gotículas de condensação do álcool metílico naquele nevoeiro criado artificialmente.

Mas, um dos meus sonhos era poder utilizar o efeito fotoeléctrico para captar pequeníssimas quantidades de luz, quase fotão a fotão, para produzir imagens electrónicas (hoje dizem-se digitais) de objectos situados na imensidão profunda do espaço. Nunca cheguei a concretizar este sonho, por razões óbvias, e só há bem poucos anos consegui amealhar alguns “cobres” que me permitiram adquirir na cidade de Toronto no Canadá (Eftonscience) uma câmara ccd não arrefecida, trabalhando em programação DOS e conhecida como CWIP-S e com a qual fiz a minha incipiente introdução na astrofotografia electrónica.

Reproduzo algumas imagens do planeta Marte então obtidas com a CWIP-S e em que a segunda imagem recebeu honras de edição no site da MarsWatch 1996-1997 no site https://mars.nasa.gov/MPF/mpf/marswatch/mw031897jp.html.



Marte em 18 de Março de 1997 com a ccd CWIP-S, ETX90 e barlow 2x


Outras imagens do célebre cometa Hale-Bopp também mereceram publicação pela NASA no site 

https://www2.jpl.nasa.gov/comet/porto16.html

 


Hoje, possuo algumas câmaras ccd e outras com tecnologia CMOS, com as quais faço astrofotografia de objectos do céu profundo, sendo possível captar objectos de magnitude próxima de 18, facilmente detectando Supernovas ou alguns pormenores de galáxias longínquas.

Um sonho que se tornou realidade. Neste tempo, não falhava a série televisiva “StarTreck” na TV Americana emissão na Lajes Field Azores. De sonho em sonho aprendi a não desistir e a lutar por aquilo que queria realizar.


Um Sattelite Tracker


Decorria o ano de 1965, tinha eu 10 anos de idade. A partir das missões Sputnik, o meu interesse pelo Espaço e pela Astronomia cresceu comigo pelas razões inerentes de quem era filho de um técnico em electrónica, responsável pela manutenção técnica do Centro de Telecomunicações dos Cinco Picos gerido pela Navy dos Estados Unidos da América.

Passava longos serões de Inverno na designada “loja”, a oficina e o reduto de meu pai, situada na cave da enorme e pesada casa quinhentista, onde nos tectos proliferavam velhas traves carunchosas de naus que haviam dado à costa com os “ventos carpinteiros” na baía de Angra. Fios multicolores montados em extensas placas metálicas que desafiavam continuamente a minha imaginação fizeram-me “apanhar” e suportar muitos choques eléctricos na minha imprecatada e ingénua curiosidade de explorador afoito destas tecnologias baseadas nas válvulas electrónicas (ainda não existiam os circuitos integrados, díodos ou transístores).

Recebia meu pai mensalmente a revista “Popular Mechanics”, uma das quais, para sorte minha, trazia o esquema de um “SatteliteTracker” cuja construção era proposta em madeira e de simples concepção.

A Operação Moonwatch e o Ano Geofísico Internacional (AGI) haviam sido lançados recentemente pelo Smithsonian Astrophysical Observatory nos Estados Unidos da América. O anúncio do seu programa havia sido feito em conferência de imprensa a 11 de Setembro de 1956 (não me lembro disto, evidentemente!) pelo Dr. Armand N. Spitz, coordenador das observações visuais de satélites, tendo a Operação Moonwatch iniciado com o acompanhamento das órbitas dos primeiros satélites artificiais lançados pelos Estados Unidos durante o AGI (1 de Julho de 1958 e 31 de Dezembro de 1958). A Operação Moonwatch iria envolver centenas de astrónomos amadores e prolongar-se-ia nos anos subsequentes à custa da Guerra Fria.

Aquele projecto de Sattelite Tracker vinha de encontro ao meu entusiasmo, e dito e feito, bastaram dois serões para que a sua concretização fosse realidade. Depois de “canibalizar” uns velhos binóculos de ópera de minha bisavó Maria Palmira Porto Pereira, e de subtrair aos acessórios de cosmética de minha mãe um pequeno espelho, o Sattelite Tracker apresentava-se como mostra a imagem.

 


O Verão de 1965, excepcionalmente bom, com noites escuríssimas sem qualquer poluição luminosa (no Porto Martins não havia ainda luz eléctrica e lá em casa contentávamo-nos com a luz do petróleo ou de um “petromax” – só mais tarde tivemos um gerador a gasoil!), cativava-me longas horas na pesquisa e acompanhamento das trajectórias dos satélites que de longe em longe e raramente cruzavam os céus. 

A operação do aparelhinho era totalmente manual, bastando para o efeito deslocar o espelho mantendo-o alinhado com a trajectória do satélite artificial (o que de início foi difícil apanhar o jeito!). 

Na altura isto fez-me sentir parte integrante de uma grande comunidade de observadores e um espião não declarado das surtidas espaciais de americanos e soviéticos.


As missões Sputnik


A missão Sputnik IV (também conhecida como Korabl-Sputnik-1) foi a quarta missão Sputnik, lançada ao espaço pela União Soviética em 15 de Maio de 1960 do Cosmodromo de Baikonur. 

Transportando uma carga espectacular para a época de 4.540 kg, representava um passo importante dos voos pré-Vostok nos preparativos da URSS para colocar um homem no espaço. A isto adicionava-se o facto de a cabine conter um manequim humano em tamanho natural, o que nos fazia sonhar com voos mais altos.

Só mais tarde em Abril de 1961, Iuri Alieksieievitch Gagarin haveria de ser o primeiro cosmonauta soviético e o primeiro homem a viajar pelo espaço, a bordo da Vostok I.

No entanto uma falha nos retrofoguetes impediu a reentrada da nave Sputnik IV de forma controlada na atmosfera terrestre. 

Tinha eu na altura cinco anos de idade e lembro-me de meu pai chegar a casa pela noitinha vindo da sua oficina situada na cave da nossa casa no Alto das Covas nº33 (antigo Largo Dr. Oliveira Salazar), muito excitado por ter ouvido a Rádio Moscovo (na altura era absolutamente ilegal sintonizar esta emissora) dando notícia do êxito desta missão. Em plena Guerra Fria, a contra informação americana, CIA, Rádio América, BBC, fizeram constar que a bordo seguia um russo que se havia sacrificado pelo comunismo. Ainda hoje recordo-me de ter ficado muito chocado com este assunto e de pensar quão grande deveria ser a força moral destes cosmonautas – designação soviética para os seus astronautas.

Lembro-me também de meu pai acompanhar as missões Sputnik, inclusive as últimas 3 Korabl-Sputnik através de uma grande antena linear instalada no nosso quintal e de um receptor da marinha americana em segunda mão, um daqueles que inclusivamente dotavam os quadrimotores de 2 andares do esquadrão de comunicações a operar na Base das Lajes ou os postos avançados de comunicações das frentes de guerra.

Yuri Gagarin haveria um ano depois de colocar em estado de choque os americanos e demonstrar a falsidade da contra-informação e o avanço tecnológico conseguido pelos soviéticos.

Teria pouco mais de 2 anos de idade quando aconteceu a primeira missão Sputnik (4 de Outubro de 1957). Nos anos subsequentes e com mais idade lembro-me de meu pai comentar muitas vezes este acontecimento. Como alto funcionário civil português ao serviço das forças armadas americanas (Navy) estacionadas na Base das Lajes na ilha Terceira, e responsável da maior confiança pela Estação de Comunicações dos Cinco Picos (cujo acesso era vedado ao público), a sua opinião era aquela veiculada pelos serviços secretos americanos: os comunistas sacrificavam tudo e todos para dominar o mundo e a sua política aeroespacial era apenas mais uma ameaça à segurança mundial.

Cresci neste “ambiente” da Guerra Fria com a crise dos mísseis em Cuba, a guerra do Vietname, os voos do avião espião U2 (cujo relógio atómico era também sincronizado na estação dos Cinco Picos), a PIDE a tentar saber dos voos secretos de meu pai para a Argélia, Washington DC ou até ao NORAD no Colorado.


Receptor-emissor Navy modelo CollinsTCS-8 1,5 a 12 Mhz em 3 bandas

Receptor 51J-4 Collins e Oscilador URA-31

Considerado o melhor equipamento radioamador, este receptor foi lançado no mercado americano em 1957 pela Collins, opera entre as frequências de 540 kc e os 30,5 mc divididas por bandas de 30 megaciclos cada e cobrindo a recepção AM, CW ou MCW.

Está equipado com 19 válvulas electrónicas e pesa 21,3 kg podendo funcionar a 115 ou 230 Volts AC com um consumo de 85 Watts. No entanto não possui altifalante interno mas dois conectores de 4 e 600 ohms. O 51J-4 está equipado com o famoso filtro inter frequências mecânico da Collins.

Estes dois receptores foram utilizados na recepção do sinal emitido pelo Sputnik IV.


A Apollo 11 e o tio Zé Cidade


Fez anos que a Apollo 11 pousou na Lua tendo sido a primeira missão tripulada a fazê-lo, e o seu comandante — o astronauta Neil Armstrong — o primeiro ser humano a pisar solo lunar.

A frase dita por ele, ao pisar na Lua em 20 de Julho de 1969, tornou-se uma das frases mais célebres do século XX:

"Este é um pequeno passo para um homem, mas um salto gigantesco para a humanidade"

Tinha eu 14 anos de idade, passava férias na nossa casa de campo no Porto Martins, ilha Terceira. 

Lembro-me de passar a noite na companhia de meu pai (na altura responsável técnico pela estação americana de telecomunicações dos Cinco Picos) e os vizinhos mais próximos, presenciando a transmissão em directo pela televisão americana Lajes Field Azores.

Vibrei a cada passo e marcou-me sobretudo a emoção de assistir ao pulo do Neil Armstrong da escada para o solo lunar. Depois foi a ansiedade de ver o módulo descolar da Lua no seu retorno ao nosso planeta.

Também nunca me esquecerei, quando me levantei pelas oito da manhã, depois de mal ter dormido, excitado pelo acontecimento, ter ido apressadamente dar a notícia a minha bisavó Maria Palmira Pereira Porto, e que em resposta logo me atirou à cara: "andas a ver fitas a mais!".

No mesmo dia comentando o sucedido com um antigo pescador - o tio Zé Cidade, que enrolava pacientemente tabaco picado numa folha de milho (não morreu de cancro com 97 anos!), - com um longo olhar de desdém para a Lua em Quarto Crescente, me disse:

"Oh menino, e agora que a Lua é só metade, pra onde foram parar os seus astronautas?".

Achei da maior conveniência, fazer um grande silêncio e deixar assim o tio Zé Cidade ter razão no seu comentário. Tio Zé Cidade era tido como velho lobo do mar que tinha longas conversas, ao fim da tarde, com Vitorino Nemésio, quando ambos se sentavam no pátio exterior da conhecida "venda" do Artur.

 

Tio José Cidade em 1970, Porto Martins


No ano seguinte, e talvez ainda sob o impacto daquele silêncio entre mim e o tio Zé Cidade, construí um refractor de 80mm com um conjunto de lentes subtraídas a um velho retroprojector. Montado num suporte alta-azimutal também da minha autoria, passaria os quase três meses de férias (as então conhecidas "férias grandes") a observar o sistema galileano e a Lua. 

A minha primeira observação do céu profundo estaria reservada para o enxame estelar conhecido das Pleíades e para a galáxia de Andrómeda (M31).

"Fazer" Astronomia nesse tempo era algo de muito difícil e quase impossível de imaginar para as gerações de hoje.

Deixo aqui uma das revistas que me marcaram e me ensinaram a "fazer coisas", entra as quais o meu primeiro refractor. Sonhar era o meu melhor ciberespaço!

 





 

Uma experiência de Aeroestática ou um óvni em Angra


Decorria o ano de 1970. Eu e o Jorge Pimentel Melo tínhamos um “laboratório” no sótão da casa de uma tia dele, situada na Rua dos Canos Verdes em Angra do Heroísmo, com uma aprazível vista sobre a baía de Angra. O nosso “laboratório”, que considerávamos um autêntico laboratório de físico-química, supria clandestinamente as suas necessidades na farmácia do tio (a Farmácia Pimentel na rua da Sé), que nos fornecia quase todos os produtos químicos e alguns utensílios. Digo “quase todos” porque o laboratório do velho Liceu na Ladeira de São Francisco, também era um recurso esporádico.

O “laboratório”, como nos era familiar, tinha três grandes janelas de guilhotina que davam para a rua e mais duas que situadas nas traseiras, davam par o quintal do imóvel. Tínhamos por nossa conta quatro grandes quartos, um dos quais era o “laboratório” devidamente acautelado e fechado à chave. Era ali que reproduzíamos todas as experiências que os livros de química dos antigos 6º e 7º anos do Liceu nos aconselhavam a fazer. E outras experiências, das quais as mais perigosas estiveram relacionadas com a produção de produtos altamente explosivos (dinamite, pólvora e cocktails Molotov – foi a nossa fase explosiva!). Muitas vezes a curiosidade ultrapassava o bom senso!

Os outros quartos eram reservados para experiências de maior dimensão física e um deles para as nossas jogatinas de xadrez com o célebre filósofo popular Leôncio, figura típica de Angra, de inteligência acutilante que ganhava qualquer partida de xadrez com os mais afamados jogadores da praça de Angra e que tinha por particularidade o facto de nunca calçar peúgas e usar um cordel a amarrar as calças muito puídas. 

Normalmente atraíamos o velho Leôncio, de longas barbas brancas que impunham respeito e eram mais próprias de um filósofo, com umas queijadas de feijão (as suas preferidas) feitas com esmero pelo Jorge Melo e umas garrafinhas de vinho abafado, surripiadas da lavra enóloga da quinta do Porto Martins.

Foi num desses quartos que erigimos o nosso primeiro e último balão de papel a ar quente.

Tínhamos planeado, construir um balão logo no início do ano, para que durante as Festas de São João (as Sanjoaninas) de Angra do Heroísmo fosse lançado.

O balão, um tronco de cone com 1,5 metros de altura, feito com papel de jornal e cola de farinha com água – grude, possuía uma estrutura leve de verga que o sustinha elevado quando necessário, pendurado do tecto. Passámos praticamente meio ano em colagens e demos-lho por pronto mesmo a tempo de ser lançado na data prevista.

Como o tecto do sótão se desdobrava em duas abas, sendo muito alto ao centro, onde passava a trave mestra, era-nos permitido ensaiar o balão. A fonte de ar quente, nada mais era que uma lata grande cheia de desperdício com petróleo, que ateado aguentava a arder o tempo necessário para permitir o balão elevar-se rapidamente, dada a sua estrutura leve.

Era a nossa primeira experiência nesta temática do uso da atmosfera e das suas propriedades físicas dinâmicas, que nos preenchia o imaginário e, para tal tínhamos quede ter sucesso, pois o investimento em tempo e algum dinheiro (que era escasso na altura) não iriam permitir repetir a experiência com aquela dimensão.

Assim, cronometrada toda a operação de lançamento, combustível necessário e estudadas a fundo as melhores previsões meteorológicas disponíveis, optámos por fazer o seu lançamento no dia “maior” das Festas da Cidade, isto é, na noite do cortejo da rainha das festas. 

Aproveitando o escuro da noite, deslocamo-nos para os campos agrícolas situados junto ao edifício do Posto Meteorológico, onde havia suficiente espaço aberto para a nossa experiência.

Ao lançarmos o balão, por incrível que pareça, o vento mudou para norte, e eis senão quando vimos o nosso portentoso e bojudo balão, quão avantesma fantasmagórico luminoso subindo nos céus em direcção à cidade de Angra.

 

Balão de ar quente do tipo utilizado por nós


Angustiados, temíamos que o balão por qualquer razão viesse a cair em cima de alguma habitação, incendiando-a ou provocando estragos de monta. Felizmente, nenhum dos nossos piores receios viu-se concretizado. O balão atravessou na diagonal toda a cidade de Angra indo provavelmente cair no mar. 

O mais interessante de toda esta história, foi no dia seguinte termos sabido que corria a notícia de que Angra havia sido sobrevoada por um OVNI! Soube da notícia no café e pastelaria Athanásio, onde se juntava sempre um grupo célebre de comentadores do dia-a-dia.


Hale-Bopp: um cometa que deixou marcas em muitos Astrónomos Amadores


Faz agora mais de 20 anos que o cometa Hale-Bopp (C/1995 O1), um dos maiores cometas observados e designado de O Grande Cometa de 1997, fez a sua aparição nos céus açorianos.

Descoberto a 23 de Julho de 1995 por Alan Hale e Thomas Bopp, só em Janeiro de 1997 se tornaria visível a olho nu. A sua visibilidade era de tal ordem que lembro-me perfeitamente de o ver a olho-nu poucos momentos antes do nascer do Sol.

 


O seu aparecimento causou impactos de diversa natureza tanto no meio científico como junto à população, de tal modo que levou ao suicídio em massa de 38 seguidores da seita religiosa ovnilógica dos EUA, conhecida por Heaven`s Gate, alegando que deixavam os seus corpos para seguirem uma nave alienígena que se escondia por detrás do cometa.

O cometa chegou a mostrar a olho nu as duas caudas, uma iónica e outra de poeiras, e em determinada altura a sua rotação era tão intensa que evidenciava a existência de jactos e géisers de gás que criavam ondas de choque rodeando o seu falso núcleo.

 

O cometa com as galáxias M31 e M34 mostrando as caudas iónica e de poeiras. Estas duas fotos foram feitas junto ao Charco da Madeira onde era possível ter um céu com menos poluição luminosa.

 

Fotografias feitas com a Pentax K-1000 no Maranhão das Capelas, ilha de S. Miguel




As imagens presentes foram obtidas entre Fevereiro e Abril de 1997, utilizando diversos "setups" disponíveis na altura e que se resumiam a um ETX90 f/13.8, um reflector dobsoniano de 8 polegadas a f/6, uma camera CCD CWIP-S da Sirius Instruments e ainda uma Pentax K-1000 com uma objetiva de 135mm. Fazer longas exposições em modo de guiagem manual era uma "obra de arte"! Foi então que decidimos fazer uma plataforma equatorial tendo encomendado a electrónica à TL-Systems na Califórnia e onde colocávamos o dobsoniano de 8 polegadas.

A camera CCD CWIP-S (Camera and Workstation for Image Processing – Standalone) de 12 bits com 4096 gradientes de cinzentos, podia ser usada com ou sem computador (via RS-232) e ligava-se directamente a um monitor de TV, controlada por um rato através de um menu no próprio monitor. As imagens podiam ser acumuladas porque a camara tinha um “synthetic clock drive” que as alinhava de modo que podiam ser obtidas sem montagem motorizada permitindo maiores tempos de exposição. As imagens também podiam ser processadas directamente. O software funcionava sob o sistema operativo MS-DOS fornecido em disquetes 3.5. As imagens também poderiam ser transferidas e guardadas por uma camera VCR ou um gravador de cassetes vídeo.

 

Um sistema inovador com o ETX90 com a CCD CWIP-S adaptado para observação solar


Entretanto também concebíamos um Star Tracker para montar a camera analógica Pentax K-1000 e cujo esquema ainda guardamos. Era operado manualmente a uma volta por minuto ... sem causar qualquer vibração com o parafuso altamente lubrificado, com a latitude do lugar conferida e alinhado o seu eixo polar à estrela polar com uma pequena luneta anexa.

  

O telescópio Newtoniano em montagem dobsoniana sobre a plataforma equatorial TL Systems e o Sky Vector 1 com um encoder de altitude e ainda o esquema do Star Tracker com o que resta hoje do aparelho (tudo isto está em condições de poder funcionar novamente!).



Notar o contra-peso e o nivelador no dobsoniano, Este último era utilizado para colocar em estação todo o sistema com a ajuda de dois encoders ópticos em Altitude e em Azimute, controlados por um Sky Vector I adquirido na Eftonscience de Toronto.


Os géisers e os jactos de gás e partículas rodeando o falso núcleo


Tentando mostrar a estrutura interna do cometa com o software existente na altura

por exemplo o PaintShop Pro (PSP)


A fotografia digital ainda não tinha feito o seu aparecimento e utilizávamos filmes muito sensíveis que custavam "os olhos da cara" como o Fuji super G plus 800

  



A Internet era recente e muito utilizada sobretudo na área da astronomia, constitui agora uma recordação inesquecível a partilha e publicação destas imagens em diversos "sites" da NASA e de outros onde se fazia a recolha oficial de informação sobre este acontecimento:

http://www.xtec.cat/~aparra1/astronom/hb/fot3975s.htm

https://www2.jpl.nasa.gov/comet/porto16.html

https://www2.jpl.nasa.gov/comet/porto12.html

https://www2.jpl.nasa.gov/comet/porto4.html

https://www2.jpl.nasa.gov/comet/images970415.html

Este seria o meu segundo cometa a ser acompanhado de forma sistemática depois de em 1996 ter seguido e fotografado o Hyakutake (C/1996 B2).

 


Um OVNI e as bombas nucleares de Harkavy ou o colapso do considerado oficialmente 2º caso da ovnilogia portuguesa.


Dou início a esta história referindo dois assuntos que em nada parecendo relacionados, estão como mais adiante se verificará, a dar consistência ao assunto de um propalado evento OVNI recheado de contactos com seres supostamente extra-terrestres e, a outro assunto também muitas vezes falado e posto em letra de forma, mas nunca comprovado, da existência de ogivas nucleares em território português. Ou seja, uma mistura potencialmente explosiva!

Robert Harkavy, da Universidade do estado de Pensilvânia, especialista em controlo de armamento e política internacional, no seu trabalho “Strategic basing and the Great Power, 1200-200” (1), que retoma argumentos de um seu trabalho anterior datado de 1989, “Bases Abroad: The Global Foreing Military Presence”, escreve o seguinte: “... some 32 nuclear depth bombs were stored at Lajes in the Azores for war time operations”.

Por outro lado, revelava o Diário Insular de 17 de Dezembro de 2011, dando substância a esta história, e passo a transcrever:

 “Um caso exótico, ocorrido em 1968, conta-se também entre os indícios de manuseamento de armas perigosas. Trata-se de um trabalhador português da base das Lajes que numa noite disse ter visto um OVNI - Objecto Voador Não Identificado, em cima de uma pequena elevação que desde esse dia e até hoje ficou com a parte superior improdutiva e árida. O homem foi rapidamente transplantado para os EUA, mantendo a história do OVNI, incluindo seres extraterrestres que se terão manifestado. ´Apenas vi que os homens tinham uma viseira com um pouco de vidro e que a cor do fato era uma cor de chumbo. Assim que acendi o foco para eles, aquilo moveu-se muito rapidamente, tendo emitido na minha direcção uma projecção de luz muito forte, que tive de tapar a cara. Logo a seguir senti uma coisa estranha, como que uma poeira. Caí e não me recordo de mais nada´, descreveu o homem após ter sido socorrido no Hospital de Angra do Heroísmo. A verdade é que o conhecido “Pico Careca” nunca foi, que saibamos, estudado por autoridades científicas portuguesas, pelo que nada se sabe, pelo menos publicamente, sobre eventuais vestígios deixados pela provável nave alienígena e pelos seus estranhos ocupantes. Oficialmente, o homem terá tido o azar de ser surpreendido por um balão meteorológico que terá chocado com cabos de alta tensão, vindo a explodir. O principal buraco desta tese oficial é que à altura não havia cabos de alta tensão na zona, mas apenas cabos telefónicos. 

E o Diário Insular terminava a notícia reiterando que "Até hoje, nenhuma destas histórias foi investigada ao ponto de ser possível descartar a sua eventual ligação ao manuseio de armamento."

Também a publicação “OVNI’s EM ANÁLISE” da “PUFOI – Portuguese UFO Investigation (http://www.pufoi.com), 2008 Bubok Publishing S.L., 2ª edicão, Impresso em Espanha por Bubok, relata mais uma vez este acontecimento da seguinte forma: 

“- Ilha Terceira, Açores – 31 de Janeiro de 1968: O guarda das instalações militares “Azores Air Station”, Serafim Sebastião, observou quatro ocupantes de um objecto voador não identificado, que, a baixa altitude, sobrevoou o seu posto de vigilância. O objecto era de forma oval, com brilho metálico, e culminava numa espécie de torre de vidro, com pequena balaustrada. Devia ter cerca de 6 metros de comprimento e 3 de altura. Ao apontar o foco luminoso da sua lanterna na direcção do artefacto voador, foi envolvido por uma espécie de nuvem de poeira, tendo o objecto desaparecido, enquanto ele perdia os sentidos.”

 

Um Rockwell B-1B aterrando na Base americana das Lajes


Desde essa data, em reuniões restritas de família, que se ouvia falar deste assunto “à boca pequena”, como era próprio em tempos de “guerra fria” e de apertada vigilância exercida pela PIDE. No entanto, concluía-se sempre que nada do que se contava sucedera, descartando-se as consciências, fosse lá o que fosse que misteriosamente tivesse acontecido naquela noite.

De facto, essa noite de Janeiro de 1968 ficaria na nossa memória, bem como na memória do Serafim Vieira Sebastião, que conheci e com quem tive oportunidade de falar alguns anos depois numa “matança de porco” no Porto Martins.

Sabe-se que pela madrugada desse dia último de Janeiro, uma família terceirense era acordada por toques inusitados e insistentes de campainha (ao tempo eram escassos os telefones privados). A dona da casa levantara-se e rapidamente fora averiguar os motivos para tal inopinada chamada nocturna. Abrira a porta a militares americanos, deslocados numa viatura militar e que pediam, com a maior urgência, para falar com o marido, que prontamente informado logo os atendera. Vestindo-se rapidamente, partira de imediato para a denominada “Estação dos Cinco Picos” alegando à família a existência de uma avaria grave “nos emissores” que teriam de ser urgentemente reparados.

Algumas semanas depois, passado que foi este acontecimento, e só depois da imprensa local ter divulgado da forma que aqui apresentámos, tínhamos conhecimento que um OVNI teria aparecido no centro da ilha junto aos “paióis dos americanos”, designação pela qual eram conhecidas algumas instalações americanas do género “bunkers” cobertos por solo e assim devidamente camuflados. A deslocação tão urgente como precipitada naquela madrugada à estação de comunicações dos “Cinco Picos”, pertencente ao Esquadrão Americano de Comunicações, teria sido motivada pelo tal alegado fenómeno OVNI, sob o qual ficavam encobertos estes acontecimentos.


Pelo que soubemos, anos mais tarde, afinal nunca teria havido qualquer evento de natureza ovnilógica.

 

Uma inspecção nos anos 70 de um alto graduado militar à “Estação dos Cinco Picos”, centro de comunicações de alta tecnologia, cuja estrutura constituía uma autêntica caixa de Faraday que anulava qualquer interferência rádio eléctrica exterior. No seu interior o nível de rádio frequência era tão elevado que as lâmpadas fluorescentes mantinham-se acesas sem necessidade de estarem ligadas à corrente eléctrica.


 

Estação dos Cinco Picos operada pelo Esquadrão de comunicações 1936.

Fonte: U.S. National Archives & DVIDS. Public Domain Archive.

https://nara.getarchive.net/media/a-view-of-the-cinco-picos-transmitter-site-operated-by-the-1936th-communications-eb255e


O Serafim Vieira Sebastião fora apanhado desprevenido, numa acção surpresa de manutenção, fiscalização e prevenção de alta segurança planeada e executada pela USAF (United States Air Force) aos seus “paióis” e instalações próximas (Estação dos Cinco Picos), tendo deslocado para a zona algumas viaturas, entra as quais uma de combate a incêndios dos seus próprios bombeiros estacionados no aeroporto militar americano da Base das Lajes, sem que o guarda português a exercer funções de vigilância nessa noite às instalações, tivesse sido informado com antecedência desta actividade.


Viatura vintage de combate a incêndios usada pela USAF no aeroporto das Lajes


Bombeiros do aeroporto das Lajes vestidos com fatos de amianto


Na realidade a descrição do Serafim Sebastião, é fidedigna. Na situação de guarda responsável pela segurança das instalações, e sujeito a um evento tão fora do comum e estranho, quanto possível de imaginar àquela hora da madrugada, deverá ter tido um ataque súbito de tensão arterial induzindo a desmaio subsequente. 

Terá levado posteriormente a uma interpretação errónea dos factos, e assim, em vez de bombeiros viu “homens tinham uma viseira com um pouco de vidro e que a cor do fato era uma cor de chumbo” (exactamente o vestuário usado no combate a incêndios) e que em vez de uma viatura dos bombeiros viu que “o objecto era de forma oval, com brilho metálico, e culminava numa espécie de torre de vidro, com pequena balaustrada”.

A esta descrição, adiciona ainda no seu relato, o facto de ter sentido uma “poeira” que o envolveu e que mais não era do que pó químico de combate a incêndios que por pura brincadeira lhe haviam atirado para cima. Aliás e mais tarde, por remorsos dos efeitos que esta brincadeira tivera no guarda Serafim, foi-lhe oferecida uma viagem aos EUA para visitar a família, a quem transmitiu sempre a sua versão dos acontecimentos. Naquela época os OVNIS estavam na moda.


Pouco depois dessa data, a Navy dos EUA, deixaria de utilizar esses “paióis”, por razões de estratégia militar e sobretudo devido a este evento ter sido tão noticiado nos órgãos de comunicação social portugueses, chamando as atenções para a zona. 


Com isto iria deslocar as mini-ogivas nucleares ali guardadas, e referidas por Robert Harkavy, para uma zona situada muito próxima da própria Base das Lajes, onde estariam muito mais perto das pistas onde aterravam os B52, os B1-A e B1-B.


 

A entrada para a “Estação dos Cinco Picos” em 2013, onde apenas ficou a casa da guarda.

Após a sua desactivação pelos norte-americanos todas as instalações ali anteriormente existentes, e que incluíam uma central eléctrica com 3 grandes unidades geradoras de energia eléctrica, capazes de naquela época terem capacidade para fornecerem energia para toda a ilha.

Foto cortesia de Manuel Meneses Martins


Estes aviões de longo curso faziam parte da geoestratégia de dissuasão militar, enquanto os P3C Orion, que residiam e operavam na Base das Lajes, serviam á data apenas para detectar submarinos e barcos-fábrica de pesca soviéticos que operavam por vezes ao largo dos Açores, fazendo o lançamento sistemático de milhares de sonares no oceano atlântico norte (Tactical Support Center - TSC/Antisubmarine Warfare Operations Center - ASWOC).


E assim nasceu mais uma história sobre OVNIS, que naquele tempo sempre serviam para encobrir ou desviar atenções de actividades relacionadas com a “Guerra Fria”.


(1) http://img.rtp.pt/mcm/pdf/840/84048a68b8df843f71c53c161fef5f071.pdf.

Esquadrão de Comunicações 1936




Memórias das novas tecnologias dos anos 40 do século XX
A primeira Emissora de Rádio dos Açores - LBS –Local Broadcast Service


A primeira estação emissora de rádio nos Açores foi a LBS, acrónimo de Local Broadcast  Service e data de fins dos anos quarenta (pós-guerra). Só muitos anos mais tarde haveria a Força Aérea Portuguesa na base das Lajes de emitir com a sua própria estação.


A LBS, sedeada na Base das Lajes numa “barraca” redonda metálica do exército americano, no tempo em que os americanos haviam acabado de se instalar na ilha Terceira, foi concebida e construída por João Fernando Goulart Bettencourt Pereira Porto e pelo engenheiro da RCA, Mr. Cavallini. Na altura o exército norte-americano contratava directamente os técnicos da RCA e West Company para instalarem os equipamentos comercializados por estas. 


João Fernando Porto haveria mais tarde de pertencer ao Esquadrão de Sistemas de Informação pelo qual passariam muitos informes da Guerra Fria. 

Meu pai acabaria por fazer 40 anos de serviço a cargo do Exército e da Marinha dos Estados Unidos da América como atesta o documento assinado por Donald A. Rigg do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América do Norte, e aqui reproduzido.


http://joaoporto.com/MuseuVirtual.htm


A “barraca” onde funcionava o emissor de rádio, situava-se na Base das Lajes perto do local onde hoje estão instalados os Correios e o célebre hipermercado americano, conhecido popularmente na ilha Terceira por “PX”, e estava dotada de um pequeno recinto com um palco onde havia um piano para transmissões em directo. 


Esta primeira estação radiofónica contava com um emissor de 20 watts cedido pela Marinha Americana e podia ser ouvida em toda a ilha Terceira e ainda na costa norte de São Miguel na banda AM. A banda FM não existia na altura! Para além da divulgação de música gravada em discos muito pesados de vinil compacto e grosso de 33 rotações, tinha o encargo de transmitir as missas dominicais em número de três, a judaica, a cristã e a protestante, num altar que rodava 3 vezes de acordo com o público religioso.


Para além disso tinha mais duas linhas aéreas directas com um microfone dedicado em cada uma para transmissão de outros eventos tais como jogos de salão e bailes. 


Contudo com a dissipação de calor produzido pelo aparelho a frequência tornava-se por vezes errática, acabando por interferir com uma outra de um emissor também americano localizada na cidade da Horta, ilha do Faial e por esse motivo motivando esporadicamente protestos de natureza “técnica”.

A foto mostra o rádio-técnico português, João Fernando Goulart Bettencourt Pereira Porto, responsável pela operação da estação, e o respectivo emissor de 20 watts em manutenção.


 

A Relatividade e uma história do U2 nos Açores


U2 era um avião espião de voo em grande altitude (mais de 21.000 metros) construído pela CIA e cujo objectivo era desenvolver operações de espionagem sobre o território da então União Soviética para detecção de bases de mísseis com ogivas nucleares, sem ser detectado e possivelmente abatido.


Lembro-me ainda criança de pela primeira vez ouvir meu pai falar em família acerca deste avião, na perspectiva de desmentir sempre a sua existência, lembrando a todos que os soviéticos eram mestres em agitação e propaganda.


Uma das histórias que ouvi, contadas já após a sua aposentação, era passada em meados dos anos sessenta na estação de telecomunicações dos Cinco Picos na ilha Terceira.


A história iniciava-se normalmente após recordações do papel desempenhado pelos Açores durante a Guerra Fria e a Crise dos Mísseis de Cuba. Lembrava-se meu pai de em dada altura (nunca quis precisar essa data), ter recebido periodicamente instruções seladas e codificadas que lhe chegavam algures dos Estados Unidos da América e cujo objectivo era operar um “aparelho” electrónico que em data certa faziam chegar àquela estação, protegido por um cortejo de carros da polícia militar norte-americana da Base das Lajes e que era depositado cuidadosamente numa sala à qual mais ninguém teria acesso, excepto meu pai.


Assim, após a leitura das instruções recebidas, o procedimento era afastar todas as pessoas do recinto, de modo a não presenciarem a operação do dito “aparelho” resguardado por uma caixa metálica. De seguida e na hora exacta era accionado um comando que punha em funcionamento o “aparelho” que minutos depois fazia um apito rouco, terminando assim em escassos segundos, o que havia começado.


A operação limitava-se a isto e a caixa metálica com o dito “aparelho” regressava, novamente sob protecção de escolta da polícia militar norte-americana, á sua origem (provavelmente regressava de avião aos EUA).


Descodificando o evento de acordo com o que ouvi: o “aparelho” era accionado minutos antes da passagem do U2 sobre a ilha Terceira e o objectivo prendia-se com a sincronização do relógio atómico a bordo do avião U2.


É sabido, depois de publicada a Teoria Geral da Relatividade por Albert Einstein, que o espaço-tempo é curvo sob acção das imensas massas dos astros e que o tempo passa mais devagar numa nave á volta do nosso planeta do que o tempo registado á sua superfície. Hoje é prática corrente o acerto dos GPS pelos satélites artificiais que orbitam a Terra, mas naquele tempo, tudo isto era altamente secreto e apoiava acções de espionagem de grande nível tecnológico, muito antes do experimento oficial de Hafele e Keating durante Outubro de 1971.


O mais interessante desta história é sabermos que havia um grande nível de confiança depositada em alguns funcionários portugueses ao serviço dos militares norte-americanos, muito ao contrário do que normalmente se fazia pensar e divulgava. Por outro lado, a capacidade técnica existente em território português, nomeadamente na ilha Terceira era muito grande, confirmando o papel de extrema importância que esta região teve e ainda tem nos assuntos de geoestratégia e do espaço.

 




Um exemplo de colaboração entre profissionais e amadores. 
SN1999bw: uma Supernova que dá que falar 11 anos depois


Em 15 de Março de 2010 recebíamos um e-mail de Andrea Pastorello, investigadora na Universidade de Belfast e astrónoma profissional, solicitando as imagens originais da SN1999bw obtidas em 12 de Abril de 1999, em Ponta Delgada, por mim e pelo Juan Gonçalves, consideradas na altura como imagens de pré-descoberta, dado que o Observatório LOSS antecipou-se em dar a notícia da sua descoberta com imagens feitas posteriormente às nossas observações.


 



Com o estrito propósito de serem utilizadas num trabalho de pesquisa dos fenómenos eruptivos próprios das Variáveis Luminosas Brilhantes (LBV) a levar a cabo por Andrea Pastorello, solicitei ao Juan Gonçalves essas imagens que havia perdido pelo facto de as ter deixado gravadas em disquetes e que passados estes 12 anos, deixaram pura e simplesmente de funcionar.

O Juan Gonçalves que imediatamente se prontificou a fornecer as imagens originais, em formato Fits, anexou ainda uma actualização em fotometria e astrometria desta supernova com base no GSC , USNO SA2.0 e no software astroart 2.0.

.

Aqui ficam os teores dos e-mails de Andrea Pastorello a quem desejamos um bom trabalho e do qual ficamos a aguardar resultados (já prometidos).

“Dear Joao,

I'm an astronomer working at the Queen's University of Belfast.

I'm interested in recovering information on SN 1999bw. I noted that you

images the SN before discovery. Is it possible to analyse your original

fits image? Your observation is potentially important to study the rising

phase of this class of transients....


Many thanks

with best regards

Andrea Pastorello

Hi, João

you are very kind.


I don't think that 1999bw was a real SN, but probably it was an

unusual variable star (possibly an LBV eruption). This is the reason why

I'm interested in studying this object.


Many thanks".



Sistema Solar catastrófico


Em Agosto de 1993 havia adquirido no Canadá, numa loja da Eftonscience perto de Toronto, um reflector de 8” a f/6 com uma montagem dobsoniana. Era para o tempo uma novidade tal sistema operativo para telescópios.

Comprar foi fácil comparado com a odisseia para o trazer até aos Açores. Para poder passá-lo na alfândega tive que o desmontar completamente e distribuir pelas malas, espelhos primário e secundário, focador helicoidal, Telrad, ópticas e ainda as partes em madeira da montagem dobsoniana. Restava um longo tubo que teria de ser condicionado numa não menos menor caixa de papelão preenchida com esferovite expandida, que a própria Eftonscience fez o favor de providenciar.


 

O dobsoniano em questão: o meu primeiro telescópio adquirido


Quando cheguei à alfândega do aeroporto de Ponta Delgada, apresentavam-se pela frente dois esmerados funcionários da alfândega que logo, de canivete de ponta e mola em riste, se prestavam a esventrar a dita caixa. Correram-me suores frios ao pensar que o tubo poderia ser atingido, coisa que por sorte não aconteceu. Caricata foi porém a minha justificação para passar com um tubo daqueles, feito em cartão prensado: o meu filho, o João Pedro Porto (quem não se condoeria com a vontade de uma criança…!), tinha-me tirado o juízo para trazer um tubo daqueles para poder-lhe construir um telescópio, e dado que um tubo de papelão com as medidas certas, não podia ser feito nos Açores, e dado que o seu valor era irrisório, pensava que não iria constituir problema na alfandega… e passou!!


Foi com este telescópio que vi o resultado do impacto do cometa P/Shoemaker-Levy 9 em Júpiter assistido pelo meu filho João Pedro, na altura com apenas a idade de 10 anos.

É da sua autoria o “sketch” aqui presente, feito em 20 de Julho de 1994 pelas 22:30 horas locais no quintal da nossa casa sita ao Bairro Económico nº 55 em Ponta Delgada.


 

Como na altura ainda não fazia astrofotografia, só este desenho comprova esta história.


Imagem do Hubble na banda IV


Não é por ser meu filho, mas com toda a honestidade: dez anos e fazer um “sketch” destes…é obra!! Reparem no pormenor da Grande Mancha Vermelha e nas bandas atmosféricas e comparem este “sketch” com a fotografia do Telescópio Hubble. Mais importante ainda, (sou um pai vaidoso!) reparem na assinatura e na letra tão bem feita. Já não se faz disto!


 

Eu e o meu filho João Pedro Leite Porto


O tubo na sua montagem dobsoniana, logo viria a sua performance melhorada no ano seguinte com a execução de uma plataforma equatorial devidamente motorizada pela TLSystem da Califórnia. Esta plataforma feita em dexion metalizado concebido para montar estantes, viria a ter destaque na página web da TLSystem com uma fotografia. Permitia-me seguir o movimento do céu com bastante acuidade para observação visual com ocular de 5mm.

A observação dos efeitos do impacto do cometa P/Shoemaker-Levy 9 foi feita com uma ocular de 25mm, destacando-se perfeitamente 3 grandes zonas de impacto na atmosfera do hemisfério sul do planeta Júpiter, nomeadamente os impactos A, B e C, que de 16 a 22 de Julho de 1994 foi atingido repetidamente pelos 21 fragmentos do cometa com mais de 2 quilómetros de diâmetro.

Foi a primeira vez que se observaram colisões entre dois corpos do sistema solar com efeitos tão devastadores.


Outra colaboração entre Amadores e Profissionais






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